quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

BERLIM (2º. Capítulo: "Esta Cidade Não É Para Velhos - 1ª. Parte")

II – Esta Cidade Não É Para Velhos (1ª. parte)

Girei a esquina para Maaßenstraße com a displicência da saciedade, sorrindo às lembranças da noite passada no Tom’s, as mãos em cruz sobre o peito de agarrá-las à aba do saco-tiracolo, percorrendo o olhar pelas inscrições a grafitti que ladeavam a linha do U-Bahn de Nollendorfplatz, assobiando baixinho – “I'd like to hate myself in the morning / And raise a little hell tonight / I've got the urge to carouse / And maybe raise a few brows”. Diz-se de uma “residência espanhola” (aprendera-o nas aventuras de Xavier, com o célebre – e inesquecível – ‘L'auberge espagnole’ de Cédric Klapisch) que é um sítio onde apenas se encontra o que lá se põe. Assim descreveria Berlim: um místico par de coordenadas espácio-temporais, trans-subjetivas, cujo alargamento se produz na proporção de quanto mundo interno haja a declarar-se no/a seu/sua visitante. Todas as capitais que haviam precedido Berlim detinham um proprium eminente, reduzindo-me à desconfortavelmente passiva posição de hóspede hesitante; desta feita, fora Berlim a adaptar-se ao esquema das minhas mais espontâneas necessidades. Dostoievski escrevera algo sobre como a liberdade não poderia nunca identificar-se com qualquer tipo de moralismo sem se desvirtuar. Berlim era toda esta desimplicação moralista, este crawl pelas águas da libertação, este amansar de um supereu cruel e persecutório, um vir a mim em paz na minha visceralidade. 

Decidido a celebrá-lo, fui sentar de perna cruzada ao Café Berio, para um frühstück de croissants com doce, melão, uvas e sumo de laranja, e rolar notas ao Brunos (de onde saí ruminativo por não ter, afinal, comprado a mais recente novidade em Berlim: uma garrafa de ‘Tom of Finland Organic Vodka – Master of Malt’). Segui depois por Nollendorfstraße, virei por Eisenacherße e regressei a Motzstaße para visitar a Prinz Eisenherz, a primeira livraria gay na Alemanha, fundada em Berlim no ano de 1978. Uma hora mais tarde, absolutamente embevecido, tendo já inspeccionado com meticulosidades de fã, e por diversas vezes, cada fotografia de Steve Schapiro e Lawrence Schiller do volume da Taschen sobre a minha eterna Barbra Streisand, saí deste site histórico com um orgulhoso volume da “Fluffer” na algibeira, e avancei cantarolante por Kalkreuthstraße, para fazer compras na Boner Store, onde conheci e me detive a conversar com Roman Socha. O fim do arco-íris desta muito colorida manhã fui pontuá-lo ao Schwules Museum, o primeiro museu (e centro de investigação de coleções focadas na história e cultura LGBT) inteiramente dedicado à história gay. Até ao dia 25 de fevereiro, como parte do programa “Jahr der Frau_en” (“O Ano da Mulher”), esta instituição tem em display uma homenagem à activista Mahide Lein, como parte da exposição “Tapetenwechsel” (“Uma Mudança de Cenário”) com que o Schwules oferece uma visão histórica sobre os movimentos de liberação gay/lésbica, desde a Idade Média até à actualidade. Depois de vaguear pelos corredores do recinto, sentei-me na pequena esplanada do museu a beber uma Fritz-Kola, enquanto folheava a “Fluffer”. 

De seguida, apanhei o U-Bahn de Nollendorfplatz para a East Side Gallery, em Friedrichshain-Kreuzberg, ao longo das margens do rio Spree, no lado leste do antigo Muro de Berlim. Fundada após a bem sucedida fusão de duas associações de artistas alemães: a VBK e a BBK (Bodo Sperling,  Barbara Greul Aschanta, Jörg Kubitzki e David Monti), compõe-se de 118 murais pintados por artistas de 21 países, nomeadamente Jürgen Grosse, Dimitri Vrubel, Siegfrid Santoni, Bodo Sperling, Kasra Alavi, Kani Alavi, Jim Avignon, Thierry Noir, Ingeborg Blumenthal, Ignasi Blanch i Gisbert, Kim Prisu, Hervé Morlay VR e outros. É uma cultura de juventude sem memória viva do comunismo, fluidamente entregue ao convívio e ao entretenimento, que agora me rodeia, que agora me envolve, que agora me absorve; é um espírito de euforia e esperança de um futuro livre para todas as pessoas do mundo a alargar-me por dentro, a derrubar os muros todos. E venho a mim vivo – esplendorosamente vivo: de sonhos, de apetites, de conquistas. Fiquei a jantar no Vegan Vincent do centro comercial, até regressar ao Aldea. Era a segunda noite em Berlim, era a minha juventude aos gritos, e Motzstraße a chamar-me à rua...

























































  [Continua]

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